domingo, 7 de junho de 2009

Sobrevivendo no SUS Africano...

Bom, deixa começar dizendo que Cabo Verde não tem SUS "per se". O sistema de saúde é universal, mas cobra os atendimentos de todos os usuários, apesar dos custos serem altamente subsidiados... pra se ter uma ideia, eu fiquei 4 dias internado e recebendo medicação por menos de 200 euros...

Ou seja, não é propriamente um hospital público, como os do Brasil, que dependem exclusivamente do Estado para terem recursos. Então a comparação direta é meio injusta...

Em termos de instalações, eu me surpreendi... o hospital Doutor Agostinho Neto é grande, bem arejado, e tem boas instalações de maneira geral. Dá um banho em muito hospital público brasileiro, especialmente fora dos grandes centros.

Falando de especialidades, é bem limitado... mas eu só posso avaliar a cirurgia e a parte de exames, então vamos a elas...

Eu fui MUITO ajudado pela Dona Maria José, que conhece TODO MUNDO em Cabo Verde (porque essa mulher não larga a Embaixada e se dedica a politica, eu não sei!) e conseguiu atendimento imediato com o médico do setor de cirurgia...

Foi ai que conheci o Dr. Morris Makar, egípcio morando em CV a mais de 30 anos, e que me passou uma excelente impressão, e após um exame rápido, em que ele quase removeu meu apendice com a mão mesmo, fui encaminhado para exames... ecografia e hemograma. Pela avaliação dele, confirmava a crise de apendicite, mas dependendo do caso trataria com remédio ou cirurgia.

O hemograma foi bem rápido, mas infelizmente me informaram que ia demorar um pouco os resultados por que faltava água no hospital naquele momento... isso me assustou um pouco, mas eu AINDA não estava internado...

A ecografia foi feita por dois médicos, com aparelhos de sensibilidades diferentes. O primeiro, operado por uma médica caboverdiana, não conseguiu uma boa definição, e eu fui encaminhado pra um médico cubano, que usando um aparelho melhor rapidamente conseguiu localizar o tal Plastão Apendicular e me mandou de volta pro cirurgião...

Com o resultado, o Dr. Morris confirmou que não era caso de operar ainda, por estar muito inflamado, o que arriscava estourar durante a cirurgia e facilitava causar infecção posteriormente, então teria de me internar pra fazer tratamento com antibióticos, via intravenosa. UHU! NOT!

Ai eu me assustei um pouco, porque não existe isso de "apartamento", mas sim um monte de enfermarias, a maioria das quais bem cheias. A enfermeira inclusive disse que não tinha leitos de observação. Mas o Dr. Morris rapidamente arrumou um leito no pós-operatório pra mim, que por sorte é uma sala com só dois leitos, e até ar-condicionado (eu mencionei que tá um calor terrivel aqui esses dias?).

Eu me instalei ai pelas 10:30h, recebi medicação e colocaram a intravenosa na minha mão, e a Neda foi em casa pegar roupa de cama, travesseiro, roupas, dvd portatil, livros e coisa e tal, no horario de visitas, as 15hs... Aproveitou pra perguntar se precisava trazer comida, ou se me alimentariam... A enfermeira chefe disse que não se preocupasse, que iam me alimentar... Beleza...

Até ai estava tudo muito agradavel até... ventinho bom, quarto só pra mim, mas claro que nada dura... antes da Neda retornar, chega o Adriano, que seria meu companheiro de quarto, e que ia se operar na manhã seguinte... Beleza, problema nenhum... ainda estou no lucro... mas com um pouco de fome...

E nada de aparecer comida... eu abstrai e tentei tirar uma soneca, e mais ou menos 15hs chegou a Neda... troquei de roupa, arrumamos meu espaço, e eu peço pra perguntar sobre a comida, explicando que a dor não me deixava ter muita fome, mas que daqui a pouco ia começar a ficar brabo o negócio... novamente, garantiram que iam me dar comida... nessa hora, nem medo mais eu tinha... só fome mesmo... E a Neda voltou pra casa pra cuidar do Gui...

Aproveitei pra conhecer o banheiro, e com a tal falta de água, deixa só adiantar que o negócio tava BRAVO! Feio mesmo... um banheiro pra um monte de pacientes, e parece que o pessoal da limpeza não tava muito a fim de encarar essa responsabilidade não! Alias, o pessoal da limpeza fazia um básico muito respeitavel, mas se chamar fora do horario, eles te odeiam... na hora da minha medicação o enfermeiro limpou o tubo da intravenosa e vazou soro e sangue, caindo no chão do quarto... foi mais de uma hora pra moça aparecer, PUTA da vida, e limpar do lado da cama... mas ai já tinha escorrido e formado uma poça embaixo da cama, que só a noite limparam...

Banho era meio tosco também, porque os os chuveiros estavam quase todos semi-estrupiados e um cheirinho nada agradável subia pelo ralo... mas dei conta...

Mas no quesito comida, NADA apareceu, até que as 21hs eu pedi que olhassem isso, que eu não comia desde as 9 da manhã. Me arrumaram um pouco de canja, e eu fiquei convencido que estava dentro do esquema de comida agora...

Passei a noite com calor, porque apesar de ter ar-condicionado, ninguem se dignou a ligar :P

Contei tudo pra Neda, claro, e no dia seguinte tive café da manhã e almoço (porque ela trouxe, no hospital me esqueceram de novo, menos no fim da tarde, quando eu pedi e me ofereceram uma caneca de canja) e infelizmente fiquei com fome a noite, porque o Gui armou um barraco e a Neda não pode ir me ver...

Mas pelo menos dormi bem, sem calor, porque descobrimos que o Adriano é técnico em refrigeração, e ele conseguiu reprogramar um controle remoto de outro aparelho e ligar nosso AC!

Dia seguinte, quinta-feira, comi feito um rei, porque D. Neda garantiu que não ia faltar mais nada! Mas tava batendo um desespero pra ir embora... Dr. Morris informou que eu só poderia ir na sexta-feira, então depois de me desesperar um pouco, acabei me conformando. E finalmente descobri o problema com a comida...

No horário do almoço espera-se que os pacientes que conseguem andar vão comer no refeitório! Mas ninguem se dignou a me avisar... Quando finalmente eu descobri, também descobri que mesmo que eu fosse, não poderia comer, porque no almoço não tem a dieta que me prescreveram (líquida/pastosa). Só à noite, quando todos comem sopa! Ah! Valeu por explicar!

Na sexta pela manhã fui liberado, e voltamos pra casa... Ainda fico mais 10 dias tomando remédios, e eventualmente vamos ter de ir operar... mas com calma, sem sustos agora :)

Então, minha avaliação...

Médicos - Nota 10 - Os que me atenderam foram atenciosos, simpáticos e profissionais, além de me passarem segurança. Me operaria com eles numa boa... mas ia preferir fazer o pós-operatório em casa.
Enfermeiros/as - Nota 7,5 - Alguns foram bons, outros nem tanto, foram meio bruscos, e tinha a tia que reclamava quando eu ia ao banheiro e subia sangue no tubo da IV... MAS nem me dava uma opção nem ia limpar o tubo! Mas de maneira geral foi positivo...
Limpeza:
Do quarto - Nota 7 - Seria mais alta se não tivesse rolado o esquema da poça, se numa das noites não tivesse entrado uma mariposa no quarto e o servente tosco não tivesse matado a dita COM A CORTINA, e eu passei a noite com uma mancha gigante em forma de mariposa me olhando...
Dos Banheiros - Nota 1 - A falta de água crônica não ajuda, e a má vontade do pessoal da limpeza atrapalha mais ainda... teve um urinol que passou quase 3 dias em cima da pia do banheiro!
Estrutura - Nota 6 - Desconsiderando os banheiros seria mais alta a nota... e se tivessem o cuidado de fazer pequenas adaptações e consertos, com certeza ganharia pontos aqui também... Por exemplo, que tal ganchos nos banheiros e chuveiros, assim os pacientes não precisam segurar o soro em uma das mão enquanto fazem xixi ou tomam banho?
Comida - Nota 5 - A canja não tava ruim, mas QUASE que eu nem teria como avaliar esse quesito...

Nota geral pra experiência: 6

Preferia não ter encarado essa, mas sei que poderia ter sido BEM pior, no Brasil mesmo... Na África, não precisa nem comentar minha sorte, né?

5 comentários:

Anônimo disse...

Ainda bem que tudo correu direito. Melhoras!

gatunix disse...

"Eu fui MUITO ajudado pela Dona Maria José, que conhece TODO MUNDO em Cabo Verde (porque essa mulher não larga a Embaixada e se dedica a politica, eu não sei!) e conseguiu atendimento imediato com o médico do setor de cirurgia..."


pra quem anda sempre falando q CABOVERDIANO gosta de cunha e quer sempre meter cunha pra ter visto, metes cunha e passas a frente de muita gente e es atendido no hospital enquanto a muita gente em lista de espera pra ser operado ou mesmo pra ser visto ou ter uma consulta com 1 cirugiao...


ou falas de mais so pra alimentar o blog ou "pimenta nos olhos dos outros é refresco"...


what goes around comes around.

João Marcelo disse...

Eu também falo muito que a gente ajuda sempre quando o caso é uma EMERGÊNCIA, como talvez um APÊNDICE ESTOURANDO...

Pelo jeito você é mais um que só lê a parte que interessa do texto, né?

Eu reclamo de gente que tenta BURLAR o sistema usando gente que conhece. Não mandar os documentos, furar os prazos, etc... Você vai ver isso se tiver o trabalho de LER e ENTENDER o que foi escrito.

SE a D. Maria José não estivesse ajudando, eu AINDA teria sido atendido rápido, e passando na frente de muita gente em lista de espera, por que é esse o conceito de emergência. Só que eu ia ter de descobrir QUEM era o médico e AONDE deveria ir, já que eu não conheço todo mundo aqui...

Ficou facinho de entender agora?

Alice Mânica disse...

Bom tê-lo de volta, João, com o seu bom humor em descrever mesmo a mais bizarra das situações (vide a mariposa morta com a cortina)!!!

E essa explicação que você deu pro "gatunix" também se aplica ao Brasil, em hospitais públicos E privados. Emergência é emergência, passa na frente dos outros e ponto final. Já tive a experiência de ver gente toda arrebentada chegar e entrar direto no hospital, assim como já fui "beneficiada" por esse "privilégio", quando cheguei com MUITA dor ao hospital e nem precisei preencher ficha pra ser internada... (o que eu tive não vem ao caso, mas provou-se depois ser um caso de emergência como o seu)

Fernando Martins disse...

opa.....
espero que esteja melhor....
vi um post da neda falando q vc tava no hospital, mas a bateria do telefone acabou e nao consegui conitnuar lendo.... ai agora entrei numa lan pra fugir do frio....
qdo eu voltar leio os posts da europa.
espero que esteja bem melhor e vc nao precise mais passar fome no hospital.
abs